Avaliação de risco cardíaco passa a orientar escolha entre dieta, remédios como semaglutida e cirurgia para pacientes
A avaliação do risco cardiovascular passou a ser o eixo central no tratamento da obesidade, segundo diretriz nacional publicada em conjunto por cinco sociedades médicas brasileiras em 2025. As estratégias previstas incluem mudanças no estilo de vida, uso de medicamentos e cirurgia bariátrica, com a estratificação por risco orientando qual tratamento deve ser adotado.
Segundo o Sistema de Vigilância de Fatores de Risco (Vigitel), o excesso de peso atingiu 61,4% da população adulta, com aumento médio de 1 ponto percentual por ano desde 2006, conforme dados oficiais do Ministério da Saúde. Em 2023, somente nas capitais brasileiras, 24,3% dos adultos apresentavam quadros de obesidade.
Segundo a diretriz, a modificação do estilo de vida deve ser oferecida a todos os pacientes, independentemente do risco cardiovascular. A recomendação geral é atingir um déficit energético que deve ser ajustado conforme o peso corporal e as atividades de cada paciente.
Padrões alimentares baseados em alimentos naturais e minimamente processados, como as dietas Mediterrânea e DASH, mostraram resultados positivos na melhora do risco cardiometabólico, ainda segundo a diretriz.
A estratégia nutricional pode incluir o uso de compostos fitoterápicos como o morosil, extrato da laranja Moro associado em estudos à redução de gordura abdominal. O uso de suplementos também deve ser avaliado junto aos profissionais da medicina.
O consumo de alimentos ultraprocessados, ricos em gorduras saturadas e açúcares refinados deve ser limitado. A justificativa é a associação da ingestão desses produtos com a piora da composição corporal e o aumento da mortalidade global e cardiovascular.
Pacientes são classificados em três níveis de risco cardiovascular
Pacientes entre 30 e 79 anos sem histórico de doença cardiovascular devem ser avaliados pelo escore PREVENT, que calcula a probabilidade de infarto, AVC e insuficiência cardíaca nos próximos dez anos. A diretriz estabelece três categorias de risco que determinam a intensidade do tratamento.
O risco baixo inclui pessoas com Índice de Massa Corporal (IMC) inferior a 40 e menos de 30 anos sem fatores de risco cardiovascular, ou aquelas com 30 anos ou mais e probabilidade inferior a 5% no escore PREVENT em dez anos. O risco moderado abrange pacientes com um ou mais fatores de risco e probabilidade entre 5% e 20% pelo escore.
O risco alto contempla pessoas com histórico de infarto, AVC, revascularização, diabetes tipo 2 há mais de dez anos, doença renal crônica em estágio 3b ou probabilidade igual ou superior a 20% no cálculo. Uma categoria específica foi criada para risco alto de insuficiência cardíaca, válida para pessoas com IMC superior a 40, mesmo assintomáticas, ou obesidade associada a diabetes e hipertensão.
Novos fármacos prometem perda de até 17% do peso corporal
Para pessoas com risco cardiovascular moderado ou alto, a diretriz recomenda tratamento com agonistas do receptor GLP-1 ou coagonistas dos receptores GLP-1/GIP. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou a semaglutida (Wegovy) em janeiro de 2023, medicamento que promove redução média de 17% do peso corporal. Em junho de 2025, a tirzepatida (Mounjaro) foi aprovada para pessoas com IMC acima de 30 ou acima de 27 com alguma comorbidade.
A agência estabelece critérios distintos para medicamentos industrializados e para farmácia de manipulação, com requisitos específicos de rastreabilidade e controle de qualidade para cada categoria. Os medicamentos são classificados por eficiência: tirzepatida e semaglutida têm alta eficácia, liraglutida apresenta eficácia moderada, enquanto orlistate, sibutramina e a combinação bupropiona-naltrexona têm eficácia baixa a moderada. A meta é a perda de, pelo menos, 10% do peso máximo atingido, considerada suficiente para reduzir eventos cardiovasculares em pacientes de risco moderado ou elevado.
Com a disponibilidade de fármacos antiobesidade de maior potência, como semaglutida e tirzepatida, o consumo variado de macronutrientes, especialmente proteínas, precisa ser monitorado para evitar sarcopenia e deficiências nutricionais.
Cirurgia bariátrica é opção quando tratamento clínico falha
A cirurgia bariátrica é recomendada para pessoas com IMC igual ou superior a 35 e risco cardiovascular moderado a alto, ou alto risco de insuficiência cardíaca, quando o tratamento clínico disponível não consegue promover perda de peso e melhora de fatores de risco de forma sustentada.
Entre 2020 e 2024, o Brasil realizou 291.731 cirurgias bariátricas, sendo 260.380 por planos de saúde e 31.351 pelo Sistema Único de Saúde, segundo dados da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM).
Uma revisão sistemática com metanálise de 18 estudos observacionais, baseada em banco de dados populacionais com mais de 1,5 milhão de pacientes, mostrou que a cirurgia bariátrica está associada à redução da mortalidade por todas as causas e da mortalidade cardiovascular. O procedimento também reduziu a incidência de diabetes tipo 2, hipertensão e dislipidemia, conforme a diretriz.
A decisão de realizar cirurgia bariátrica em pacientes com insuficiência cardíaca deve ser individualizada, considerando estado clínico, presença de comorbidades e capacidade de tolerar o procedimento. A abordagem multidisciplinar é recomendada para otimizar os resultados e minimizar os riscos, inclusive os que podem ser potencialmente desenvolvidos após a cirurgia.
Idosos exigem atenção individualizada
Na população idosa, a conduta terapêutica deve ser individualizada devido à maior prevalência de obesidade sarcopênica, fragilidade, múltiplas comorbidades e polifarmácia. Todos esses fatores precisam ser considerados no estabelecimento de metas terapêuticas de perda de peso. As recomendações se basearam em estudos clínicos randomizados controlados nos quais pessoas acima de 75 anos estão sub-representadas.
Segundo as entidades, a obesidade continua negligenciada nas políticas públicas de combate a doenças cardiovasculares crônicas. Avaliar o risco cardiovascular de cada paciente orienta a escolha do tratamento antiobesidade mais adequado. A abordagem também serve para que gestores públicos definam prioridades e concentrem recursos nas populações mais vulneráveis.
A Diretriz Brasileira Baseada em Evidências de 2025 para o Manejo da Obesidade e Prevenção de Doenças Cardiovasculares foi elaborada pela Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (ABESO), Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) e Academia Brasileira do Sono (ABS). O material traz 25 recomendações desenvolvidas por 20 especialistas usando o método Delphi, publicadas nos Arquivos Brasileiros de Cardiologia.
