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Ressignificando a potência do feminino como uma forma de cura, Lila lança o álbum Puérpera
O disco vem acompanhado de uma zine digital que registra o sagrado feminino da jornada da maternidade
“Puerpério é a vivência do luto da mulher que você era e nunca voltará a ser”. É com essa definição que a cantora e compositora Lila apresenta Puérpera, o primeiro disco da artista depois de lançamentos de singles e um EP nos últimos anos. Com sonoridade contemporânea e junto a uma zine digital (acesse aqui), o álbum chega após um longo período de reclusão desde a gestação do primeiro filho da cantora, amapaense de documento, mas carioca por vivência. A obra potencializa a criatividade de Lila em nove faixas para contar a sua trajetória com a maternidade – da gravidez ao parto e do puerpério ao surgimento de uma nova visão sobre ser mulher (ouça aqui).
O fio condutor de Puérpera parte das transformações do corpo e da alma: o esgotamento físico, as tempestades emocionais e os tabus com os quais se deparou no período em que esteve grávida. “O processo de maternidade é pesadíssimo. Quando eu me vi no meio dessa vivência, senti necessidade de, primeiro, me curar e entender o que estava acontecendo, para, depois, conversar sobre isso com as pessoas – e a música foi o canal que encontrei”, conta.
O disco, produzido por Diogo Strausz (conhecido por trabalhos com Alice Caymmi e BaianaSystem) e Tomás Tróia (responsável pelas produções de Duda Beat, ao lado de Lux Ferreira), reúne composições próprias e uma participação da artista carioca Letrux, na faixa “Gira”. Além da colaboração vocal, a composição foi feita em parceria com a cantora e compositora Ana Lomelino, autora do texto declamado por Letrux na abertura.
“Cantiga” é a responsável por abrir o álbum exaltando a ancestralidade da união e da força femininas, com versos que representam o momento em que mães, tias, avós e primas se reúnem em volta da mesa para curar feridas que atravessam gerações de mulheres. Conversas, choros e risos se transformam num mantra para ser cantado de mãos dadas, para que as mudanças sejam feitas pelas mulheres e para as mulheres. Em seguida, a conexão com o próprio interior ganha novos contornos em “Lunação” (assista aqui), canção que traz como protagonista o processo de “plantar a lua” (diluir a menstruação e regar uma planta) e mostra o ritual como uma potente fonte de libertação.
As referências a diversas formas de se conectar às experiências e ao saber das mulheres são uma constante no álbum. Em “Feminina”, por exemplo, Lila traz alusões ao livro “Mulheres que correm com os lobos”, da escritora norte-americana Clarissa Pinkola Estés. A partir da obra literária, ela dá forma à uma mensagem de reconexão com o “selvagem interno” – jeito que a cantora define a liberdade de poder ser quem se é em sua completude.
A redescoberta desse “selvagem interno” é um dos principais pontos de toda a caminhada que a cantora passou entre a gestação e o puerpério. “Eu lia muito sobre puerpério e não entendia o que era. Até que eu entrei nele. Quando pari o Benedito, eu estava voltando daquele caldo do mar de emoções em que me encontrava e consegui dar minha primeira respirada, aí comecei a fazer mais músicas”, conta. “Você vai renascendo aos poucos, conforme vai se recompondo”, explica Lila ao detalhar o que motivou a escolha do nome do disco e a vivência que impulsionou a criação da faixa-título. O marcante momento do parto também figura na tracklist, como inspiração da faixa “Pulsando”.
Um retrato real de toda a fase que viveu, Puérpera passa ainda por momentos complicados dessa trajetória. Na canção “Criadora”, Lila apresenta seus versos como uma válvula de escape para o nível de exaustão com o qual passou a lidar. “Estava cansada, sentei ao piano e resolvi falar o que eu estava sentindo sobre as coisas: ‘tô fazendo um rim aqui, peraí’ (risos). É lindo demais usar a linguagem objetiva para ser poética”, conta. Esse esgotamento encontra alívio em outras composições que completam a tracklist. Em “Cura”, última música a ficar pronta, Lila reflete sobre o saldo de aprendizados em meio aos momentos tensos e prazerosos que atravessou. Já em “Bené” (assista aqui), o filho da cantora aparece como inspiração absoluta na letra que entoa amor e esperança.
Como o fechamento de um ciclo, a faixa que encerra o álbum, “Fértil”, foi a primeira a ser escrita e registrou a mudança da “amapaense carioca” para São Paulo. “Estava aquele céu escuro de chuva, tava morrendo de saudade do Rio, sozinha”. E tem um motivo especial para ela ser o fechamento desse projeto: “antes de tudo acontecer, ela já estava me dizendo coisas que eu precisava saber sobre recomeços. Por isso, se chama fértil, pois a natureza é sobre morte e renascimento, o tempo inteiro”, conclui.
FICHA TÉCNICA
Capa Foto – Lucas Bori
Beleza – Teo Miranda
Direção de arte – Pepe Garcia
Visual effects – Tomas Sales
Disco
Produção Musical – Diogo Strausz e Tomás Tróia
Composição: Lunação, Feminina, Puérpera, Pulsando, Cura e Bené – Lila, Diogo Strausz e Tomás Tróia, {} – Ana , Gira – Lila, Diogo Strausz, Tomás Tróia e Letícia Novaes Cantiga , Criadora e Fertil – Lila
Selo MangoLab
Mixagem Pedro Garcia
Masterização FeLipe Tichauer
Zine
Direção criativa Lila e Pepe
Câmera, Direção de Fotografia, Vfx e diagramação Pepe Garcia
Figurino Malu von Kruger, Rachel Sioli e Lila
Modelista Maria Esther Lacerda