Érico Brás põe público pra dançar no Festival de Curitiba
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Érico Brás põe público pra dançar no Festival de Curitiba

Por Michele Marreira, direto de Curitiba*

A vida anda sorrindo para o ator Érico Brás. Com projetos no teatro, cinema, televisão e literatura, a correria cotidiana é grande, porém, prazerosa. No auge de seus 40 anos completados recentemente, o baiano que não tem papas na língua na hora de abrir o debate sobre igualdade racial, esteve com seu espetáculo musical “O Frenético Dancin Days” no 28º Festival de Curitiba. Autêntico sem perder a simpatia, extremamente bem humorado, não esconde a alegria de integrar o maior evento de artes cênicas do país. Artista multifacetado aprendeu no Bando de Teatro Olodum todo tipo de arte, o capacitando para se apresentar em qualquer gênero, formato ou linguagem dramatúrgica. Recentemente teve seu contrato renovado com a TV Rede Globo, já está prestes a estrear a nova temporada de “A Escola do Professor Raimundo” no papel de Seu Eustáquio, papel pertencente por muitos anos pelo saudoso ator Grande Otelo. “É um dos maiores atores do Brasil, independente de cor. É um cara que deixou um legado enorme de sua arte”, explica, emocionado. A sétima arte também o conquistou. Érico está no elenco de dois longas cômicos, “Nunca” e “Vai que Cola” – ainda em processo de filmagem. Pensa que parou por aí? Ele ainda está elaborando seu próximo livro que discute uma temática importante. “Fiquei com vontade de falar com o público jovem que está num momento de formação, principalmente os jovens negros brasileiros. Não que eu escreva só para negros, mas para todos. Porém, o foco é mais nessa galera carente de referências”, ressalta. Nossa reportagem bateu um bate-papo franco e direto com o ator sobre diversos assuntos da sociedade contemporânea. Confira:

Atualmente você está em cartaz com o espetáculo “O Frenético Dancin Days” em São Paulo, após temporada de sucesso no Rio de Janeiro. Como tem sido fazer parte desta produção que integra a programação do Festival de Teatro de Curitiba?

Sempre tive vontade de participar do Festival de Curitiba. As pessoas sentem necessidade de voltar em alguns momentos de suas vidas e relembrar coisas boas. “O Frenético Dancin Days” foi um momento bom do final da década de 70 para o público do Rio de Janeiro, mas de certa forma reverberou na cultura musical artística no Brasil. O público, seja do Rio de Janeiro ou de São Paulo, reencontra o seu passado muitas vezes dançando na plateia, seja através da música que marcou época, dos textos, das gírias, o jeito de se vestir ou os figurinos que são geniais. A alegria não tinha limite. Tudo isso está representado no texto escrito por Nelson Motta e Patrícia Andrade. Traz uma carga cultural e política da época que o Brasil vivia um momento de repressão. O país está dando alguns passos para trás e outros para frente… Se reencontrando ainda. Precisamos que as autoridades olhem de forma especial para as artes no Brasil.

Quem você interpreta no musical?

Meu personagem chama-se Dom Pepe é praticamente irmão do Nelson Motta, pois cresceram juntos. Eles foram ousados em peitar todos aqueles empecilhos e imposições, criando um espaço democrático onde as pessoas podiam ser o que quisessem. Nelson Motta é a liberdade em pessoa. Sou um ator cidadão, sou fiel ao que estou contando.

Você é um artista contratado pela Rede Globo. De que maneira tem conciliado televisão e outros projetos paralelos?

É uma questão de organização. Tenho uma equipe que trabalha comigo e me ajuda muito, em tudo na verdade [risos], desde a escolha dos projetos até a concretização. Não consigo trabalhar em uma única frente. A Globo compreende e me ajuda muito nisso. Eu renovei meu contrato com a emissora por bastante tempo, num momento bem delicado da casa, eles vêm investindo em mim, deixando eu fazer outras coisas como cinema e teatro. Me organizo dentro do cronograma deles.

Neste ano você segue no elenco do “Zorra”?

Fiquei fazendo o “Zorra” até o final do ano passado, saí para tocar outros projetos. Sigo na “Escolinha do Professor Raimundo” interpretando o personagem Eustáquio, no papel que foi vivido por muito tempo pelo Grande Otelo, vamos estrear a nova temporada.

Muito emocionante viver o mesmo personagem que foi eternizado pelo Grande Otelo na “Escolinha do Professor Raimundo”?

Eu tinha um problema sério que muitos jovens brasileiros têm que é a falta de referência negra na dramaturgia brasileira. Eu lembro ainda pequeno quando iniciei no teatro, minha mãe me mostrou personagens como o Mussum [Os Trapalhões] e Vera Verão [Jorge Lafond]. E o Grande Otelo que é um dos maiores atores do Brasil, independente de cor. É um cara que deixou um legado enorme de sua arte. Ensinou ao Brasil o que é ser negro no palco. A sua obra é atemporal. Fazê-lo na ‘Escolinha’ é um marco na minha história como artista.

Qual o sentimento de ter participado do programa “PopStar” em 2017 na Globo?

Participar do “PopStar” deu uma virada na minha carreira. Muitas pessoas que não me conheciam, não sabiam que eu também podia cantar, tiveram essa oportunidade. Esse processo contribuiu para minha construção na música. A mesma coisa aconteceu comigo quando participei da “Dança dos Famosos” [em 2015]. Isso tudo vem da minha formação no Bando de Teatro Olodum da Bahia, onde comecei em 1999, que trabalha com esse conceito de fazer do ator uma pessoa que tenha propriedade da arte no geral: dança, música, teatro, iluminação, tudo isso por escolha. Eu faço teatro desde os sete anos de idade. O laboratório do ator é constante nunca estamos prontos. Me considero um ator em construção sempre. O ator é um artista. Por mais que eu não faça parte das artes plásticas, eu preciso entender o que é.

Sente vontade de seguir pelo gênero dramático?

Eu sou um artista que se você me chamar para algo diferente e eu achar que posso, eu faço. No sentido do gênero, há dois anos fiz uma série francesa que estreou recentemente no Netflix, chamada “Hora de Perigo”, é um drama policial que se passa em São Paulo. Eu continuo com essa vontade de seguir nesse sentido. Eu tenho a vertente da comédia que é muito forte e faço bem tenho certeza disso, mas também sei fazer outros gêneros.

Quais são seus próximos projetos?

Estou filmando o “Vai que Cola 2” uma baita comédia que só tem amigos. Acabei de filmar outro longa chamado “Nunca”, outra comédia. Estou escrevendo um livro também.

Conta mais sobre esse livro.

Há três anos lancei um livro infantil com a escritora Kenia Maria e tomei gosto por escrever. Fiquei com vontade de falar com o público jovem que está num momento de formação, principalmente os jovens negros brasileiros. Não que eu escreva só para negros, mas para todos. Porém, o foco é mais nessa galera carente de referências. Esse livro aborda uma desconstrução da mitologia urbana brasileira. O que é isso? É falar sobre todos esses mitos que construíram o Brasil até hoje: o mito sobre o negro, a mulher, os grupos sociais, as comunidades, bairros, cidades, regiões, o Brasil em si. Estou escrevendo a minha impressão sobre isso. Venho de uma caminhada política grande comecei cedo como militante na Bahia. Nasci em um bairro onde a maioria da população é negra, é o maior bairro negro da América Latina. De certa forma isso me colocou muito perto do debate sobre política, economia e religiosidade. São temas da sociedade brasileira e aprendemos que isso não se discute. É a pior coisa que poderíamos aprender. Por conta disso não temos o domínio e a propriedade de debate.

Com tanto trabalho o que faz para recompor as energias?

Fico com minha família sempre que posso!

*A jornalista viajou a convite do 28º Festival de Curitiba.

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